Há muito tempo
venho refletindo sobre a necessidade que muitos têm de se sentir – ou talvez
apenas se afirmar – cada vez mais à esquerda no espectro político. Esse
comportamento quase sempre leva a posições no mínimo equivocadas quanto à
capacidade do governo brasileiro de implementar políticas que beneficiem só, e
tão somente só os menos favorecidos. É claro que numa economia globalmente
interligada e financiada por uma rede “apátrida” de bancos, não é possível
fazer um único gesto que envolva financiamento, investimento ou gasto que
inviabilize a obtenção de lucro – seja ele direta ou indiretamente vinculado a
essas instituições.
A utopia
socialista deve permanecer como horizonte, mas o mundo real não nos permite o
luxo da ingenuidade, e já de pronto explico porque usei esse termo, utilizei-o
porque não há no mundo quem hoje possa governar independente dos arranjos e
acordos firmados pelas grandes entidades globais (G8, G20, U.E, UNASUL e
afins). É como acreditar que tudo aquilo que papai sonha para casa e seus
filhos pudesse realizar-se independentemente das condições materiais do mundo
que nos cerca. Impossível! O mundo melhor que queremos (e eu também quero um
mundo mais justo e menos desigual) só será construído a partir da ação
individual de renúncia aos valores da dominação, da aquisição supérflua e da
liberdade sem responsabilidade consequente.
Vivemos num
país que se construiu baseado na desigualdade e no privilégio e não será sem a
quebra desses paradigmas que iremos avançar na direção de um futuro melhor. É
imperioso lembrar que esses vícios são seculares e não serão debelados ao tempo
de nossas vidas. O Brasil que quero está por fazer-se porque ainda não se
descobriu, ou pelo menos não se reconhece. Não percebe o quanto avançamos
porque não distingue a utopia, da realidade: a primeira imaginada e a segunda a
ser construída cotidianamente. Não somos mais o país do “você sabe com quem
está falando?” e do “deixa pra lá que não vai dar em nada”, ou será que tudo o
que se descobre e se investiga nesse país é obra de ficção? Tentam fazer-nos
acreditar que a corrupção é uma novidade trazida pelos governos petistas, o que
não é; tentam desacreditar as instituições em favor de nomes, de personagens.
Ora, pessoas são entidades efêmeras, passageiras; instituições são entidades representativas
da sociedade, permanentes e que devem ter caráter impessoal. Se ainda não têm,
somos nós que devemos fazer com que venham a ter para que assim nos sintamos
por elas representados.
Sinto por trás
de muitos discursos “esquerdistas” um descompromisso com a construção do país
que queremos. Digo isso porque se a denúncia e o protesto são atitudes cidadãs,
a construção efetiva da democracia que queremos também é, e não pode esperar a
substituição dos governantes pra que ela se inicie, correndo o risco de
verem-se novamente decepcionados (se o raciocínio que desenvolvi no primeiro
parágrafo estiver realmente correto) e órfãos os tão ultrajados “progressistas”.
Tenho por todos, indistintamente, o respeito devido a todo ser humano, estejam
eles em que espectro político estiverem, e tenho principalmente o prazer do
debate e do convívio, sem o qual tudo o mais se torna tão somente maniqueísmo e
intolerância. Quero vencer a desigualdade perversa e o lucro indecente, mas
estou convencido de que quem os promove hoje não são aqueles a quem queremos
atribuir toda a responsabilidade, ainda que boa parte recaia natural e
justamente sobre os mesmos. Tenho fé na mudança, mas não espero pela sua
realização, busco fazê-la cotidianamente e creio que meu trabalho seja a melhor
forma de denunciar aquilo tudo contra o que eu luto.
Ser de
esquerda hoje – no meu modesto entendimento – é resistir criativamente a um crescente
fetichismo que transforma tudo em objeto de compra e que faz da capacidade de
consumo o índice que mede a qualidade de vida e o grau de satisfação da
população mundial. Resistir criativamente significa estar mais tempo no seu
lugar próprio, junto aos seus e menos exposto à angústia da falta de
pertencimento que é retroalimentada no consumo, seja ele de bens e serviços,
seja ele da indústria farmacêutica que está pronta a servir-nos da primeira à
terceira idade.