quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Pegando ritmo...

Quase um mês e meio sem escrever nada, mas pensando - e muito - o tempo todo e em tudo. talvez por isso as ações sejam lentas, quase imperceptíveis, mas pra quê pressa? Na verdade não dá pra ser tão devagar como tem sido, nem dá pra correr como se estivesse disputando uma corrida... não estou, nem estarei correndo contra ninguém, nem contra o tempo, corro apenas na direção que escolhi e não abro mão de observar a paisagem!
Por falar em tempo... acho que vou postar uma coisa que escrevi tempos atrás (num momento difícil), mas que ainda me toca da mesma maneira:

RESPOSTA AO TEMPO

O tempo como determinação objetiva, a temporalidade como resposta subjetiva. A vida como determinação impositiva, a vivência como saída relativa. Talvez nada seja tão implacável quanto a ação do tempo e as marcas indeléveis que nos deixa como herança. Haveria uma alternativa a essa positividade do tempo?

Não quero aqui tratar, ou melhor, abordar científicamante o tema. O tempo como tema da ciência é abordado de forma diversa da que pretendo: o tempo como temporalidade. Se a relatividade é um fato objetivo, implica que sobre ela se debrucem os filósofos da ciência, para que dêem tratamento filosófico acerca das implicações resultantes da sua aplicação como interpretação da realidade. Mas toda objetividade sempre irá confrontar-se, ou pelo menos, caminhar em paralelo com uma vivência singular habitada por um sentido e doadora de sentido às transcendências, ainda que esse sentido não esteja conforme as interpretações científicas. E não poderíamos arbitrariamente classificar como devaneios – sob pena ignorarmos a vocação natural do homem ao questionamento – algum pensamento não alinhado com o senso comum ou com as determinações do modelo físico-matemático de investigação da realidade.

Blaise Pascal nos conclamava a todos ao ato de pensar, pelo fato de ser ele o depositário da dignidade humana. Essa afirmativa não impõe limites ao pensamento, não cria restrições nem nos indica modelos de pensamento. É de fato uma exortação à reflexão permanente, um impulso ao exercício da dignidade humana no limite das suas forças e nas extremidades do que Hegel chamou de armadura essencial da existência, a Razão. Sabemos que a vida se mantém na busca do equilíbrio, e ninguém pode com sucesso e permanentemente viver no extremo das emoções, sejam elas medos ou êxtases. Mas podemos pensar! Pensar para além dos limites momentaneamente determinados como racionais ou da sanidade mental; como fizeram muitos pensadores – filósofos e cientistas – que não viveram para apreciar a realização do que sinalizavam como “possibilidades” a serem comprovadas na posteridade. Ou talvez como os ficcionistas do cinema, TV e das revistas em quadrinhos, que criam cenas, objetos, situações, fatos que estão muito além das possibilidades do aqui e agora, mas que acabam por serem viabilizados pelo avanço do conhecimento.

A vida - enquanto fato biológico - está cercada de determinações que podem ser objetivadas de modo a preencher requisitos de interesse individual ou coletivo: se cuidamos da saúde, vivemos mais e melhor, se cuidamos da aparência sentimos a auto-estima se elevar. Se fazemos o contrário espera-se que o resultado seja também o oposto. A colocação adequada das premissas nos levará indiscutivelmente ao resultado esperado. Tudo isso é válido, e as exceções só vêm confirmar a regra, disso não há dúvida, mas é preciso levar-se em conta o que acontece no bojo da existência, o que tanto pode tornar a vida plena de sentido, como esvaziá-la. O curso de uma existência é como um rio que ora se alarga, ora se estreita; onde poder-se-ia a um tempo naufragar uma embarcação, noutro se apresenta como “água nas canelas”. Poderíamos fazer do tempo-próprio, uma válvula de escape à pressão externa por uma resposta a contento do que está subjacente ao papel social que cada um desempenha e do qual depende em última instância, a ordenação do mundo onde vivemos, sonhamos, nos decepcionamos, enfim... onde estamos mergulhados e onde se desdobram os “fatos” da existência.

Poderíamos imaginar o que aconteceria se todos, ou pelo menos um contingente significativo da população se perguntasse pelo sentido do que fazem cotidianamente, impondo a si mesmos a busca por uma resposta desligada do discurso trágico? Sem o recurso às justificativas localizadas em “forças ocultas” atuantes no mundo, ficamos quase todos em busca de um sentido que imaginamos de antemão não existir. Podemos facilmente identificar a tendência a encarar a vida como “passagem” e, portanto, como algo em que só encontramos sentido se pudermos olhar, melhor dizendo, se crermos num outro estágio, num outro plano, este sim, portador de significação.

Desprezamos, pois, as inúmeras possibilidades advindas de uma busca pela plenitude, na única certeza que podemos ter: a existência onde agora nos encontramos e a partir da qual podemos ver e indagar o mundo. Se nele estamos inseridos, é nele e sobre ele que nos posicionamos, onde encontramos nosso lugar, ou minimamente o procuramos; não sabemos ser possível coisa semelhante para além da existência que conhecemos. Haveria algo mais a indagar? Se há, não sabemos. Se não há, poderemos ter perdido então a oportunidade de exercitar-nos no mandamento de Pascal, e individualmente nos sentiríamos aquém daqueles que o fizeram. Seria uma vida incorpórea, de fato uma realidade determinada absolutamente? Mas se tudo estiver dado de antemão, o que justificaria a nossa possibilidade de razão, nossa dignidade, enfim?

O tempo como medida determinada, associado aos fatores ambientais fazem com que nosso organismo sofra alterações e se singularize. Contrariamente, sem tempo objetivo e corpo passível de sofrer sua ação, o que permanece?

Quando amadurecemos, aumentamos nossas capacidades de interpretação e discernimento, conseqüentemente, podemos agir melhor segundo o livre-arbítrio facultado a cada um. Quando há degeneração, perdemos gradativamente essas capacidades e poderíamos indagar: - Se há uma continuação, a condição do espírito permanece em estado degenerado ou pode ser redimida das mazelas que afetaram o corpo ao qual esteve ligado?

Se encaramos o tempo objetivo como oportunidade de realizações, fazemos de tudo para realizar mais e melhor dentro das possibilidades que o mesmo nos oferece, e quanto mais saudáveis, maior a nossa capacidade de realização. Portanto, a saúde física é tão importante quanto a saúde mental ou espiritual para uma existência plena. Se houver, de fato, relação entre o estado ou capacidade espiritual no momento da morte e uma possível continuidade, é plausível que todos os esforços sejam empenhados para a manutenção da saúde e o aumento da capacidade espiritual, entretanto, se não houver relação direta, não há conseqüentemente como compreender o que se dá, pois fora do tempo não há atividade de conhecimento e aquilo que não se houver realizado na existência objetiva, não o será mais e portanto, teremos o limite objetivo à plena realização da existência, o que se fez aqui.

Se este limite estiver realmente posto, deveríamos então pensar radicalmente na relação tempo-existência e naquilo que fazemos dentro dessa relação. Se nossa finitude se apresenta inexorável, nossa existência se torna ainda mais presente, e também plena de sentido. É preciso estabelecer uma relação própria com as determinações temporais, fazer delas determinações relativas e não situações absolutas e inescapáveis.

Nossa estrutura temporal se apresenta como temporalidade, como relação ao tempo, e o conjunto de fatos que nos cercam; nos envolvem e se encadeiam ininterruptamente. Eles podem não estar ao alcance de nossas ações objetivas capazes de modificá-los, mas também não têm necessariamente o poder de agir sobre nós de forma absoluta, de nos afetar a todos da mesma forma e com a mesma intensidade. Essas relações se estabelecem de forma desigual e relativa. Podemos então pensar que a existência singular consumida pela objetividade poderá ser resgatada no restabelecimento de uma relação singular com a realidade objetiva.

Qualquer sentido é sempre sentido singular e é dado a partir de um ponto de vista referente aos muitos perfis que a realidade tem, ou melhor, aos infinitos perfis com que a realidade se mostra. Por isso devemos nos atentar para o modo como essa realidade se apresenta a cada sujeito, possuidor de uma história, de um corpo, de uma sensibilidade singular. Sendo habitado por sentido e produtor de sentido, o sujeito é aquele que sofre a influência da experiência e internamente tem de confrontá-la com o que já está lá, no seu interior. A singularidade em questão não pode ser confundida com individualidade - como visão unilateral da realidade -, sob pena de criar o embate entre perspectivas no intuito de descobrir uma verdade, quando a saída proposta é o somatório de verdades que pudesse revelar o essencial. Todo fenômeno é temporal, e toda perspectiva será conseqüentemente afetada temporalmente. Desde Husserl temos a possibilidade de pensar a relação do homem ao tempo como temporalidade, relação singular e insubstituível, passível de transformação, mas não de ser ignorada ou suprimida sem cometer o equívoco de fazê-lo em relação a uma existência, pois se afirmamos que a dignidade do homem reside no seu pensamento, então, ignorar ou suprimir um pensamento, é fazê-lo igualmente em relação à existência daquele que pensa.

Vivemos simultaneamente, mas também vivemos unicamente, ou seja, cada um vive uma experiência singular e verdadeira. Se entendemos a vida como possibilidades abertas a cada sujeito singular, mas que só se reconhece como tal, ou se mantém na relação com os demais, podemos perceber que o pensamento nos iguala enquanto espécie, mas nos diferencia enquanto sujeitos, na sua realização. Todos nós nos fazemos enquanto vivemos e esse processo é multifacetado pois, nos tornamos diferentes a partir de uma mesma experiência e podemos nos tornar muito parecidos vivenciando experiências diferentes. O fato concreto é que a vivência, ou melhor, o modo como vivenciamos os fatos, é o fator decisivo na constituição do sujeito e da realidade interpretada.