terça-feira, 12 de maio de 2009

Enfim...

Assisti ontem à noite - assim como faço todos os domingos – ao CANAL LIVRE na BAND. E confesso que já de imediato fiquei bastante apreensivo - o que ocorre sempre que assisto a debates sobre a adoção do sistema de cotas raciais pelas Universidades Federais. Quero primeiramente ratificar minha posição: sou favorável às cotas! A apreensão que sinto é sempre justificada durante os programas, e não foi diferente na noite de ontem. Tentarei ser objetivo nas minhas observações, entretanto, antes de abordar diretamente o tema quero frisar um ponto: É quase invariável que esses debates passem a impressão de que estamos prestes a dividir o Brasil entre brancos e negros, além de instalar o ódio racial. O que é reforçado pelo claro posicionamento contrário às cotas por parte da grande maioria de apresentadores, comentadores e jornalistas que debatem o tema, somado à seleção dos convidados a defender as cotas, que é no mínimo mal executada, senão mal intencionada. Explico: Um debate televisivo requer eloqüência, concisão e no caso específico, a capacidade de argumentar de forma incisiva dentro de um tempo determinado, sob pena de passar a imagem de despreparo. Pois bem, não vi até hoje nenhum debate onde quem se posiciona favoravelmente às cotas fosse uma figura acostumada ao debate televisivo e suas especificidades. Será que não existe ninguém com esse perfil? Nada contra o Frei Davi, debatedor do último programa, mas estava claro desde a primeira pergunta, que ele não teria como se sair bem, ainda que seu histórico de luta e seu conhecimento do assunto o credenciassem a um debate; mas não aquele, não naquele formato. O mesmo não pode ser dito a respeito do sociólogo também presente, figura fácil em programas de rede nacional…
Bem, o primeiro ponto que me intriga é relativo ao critério de seleção dos cotistas. Pouco ou nada se fala sobre a autonomia das Universidades Federais para debater, e em caso de adoção, estabelecer os seus próprios critérios de seleção. Não há interferência direta na tomada de decisão e não tenho notícia de nenhuma universidade que tenha em seus quadros superiores uma predominância de negros, que em tese estariam interessados em impor a todos as suas teses segregacionais. Talvez fosse interessante convidar ao debate os respectivos reitores e membros dos conselhos superiores dessas entidades para que esclarecessem a todos o que os fez tomar posição em favor das cotas.
Em segundo lugar, em várias universidades o primeiro critério é social, e dentro dessa cota, há uma reserva para negros. Porquê cotas raciais, se em tese as cotas sociais já beneficiariam indiretamente os negros – maioria absoluta entre os pobres? Quem faz análise do Brasil a partir dos dados do IBGE, e não vai além disso, pensa dessa forma. O que acontece na realidade é que mesmo na pobreza há distinção entre brancos e negros. A escola é apenas uma instância obrigatória onde uma convivência aparentemente harmoniosa é usada como exemplo de que estaríamos todos no mesmo buraco. Mesmo onde há baixa escolaridade ou qualificação, mesmo ali, brancos e negros estão divididos, não somente por vontade própria, mas induzidos pelo mercado, pelos critérios subjetivos de seleção. Alguém poderia me dizer onde há no Brasil, pelo menos uma rede de lojas de departamentos, um shopping center, ou apenas uma grife que tenha refletida nos seus quadros a composição étnica brasileira? Onde o diploma não conta, a “boa aparência” coloca cada um no seu buraco. Entre os pobres, a renda pode se assemelhar, mas a natureza do trabalho indica o lugar que brancos e negros ocupam na sociedade brasileira.
Se observarmos atentamente, veremos que o lugar – fora dos serviços menos qualificados - onde os negros estão em maior número é no serviço público, ou seja, onde os critérios de seleção não deixam margem para subjetividades, e a representatividade dos negros não é maior nos cargos mais qualificados porque o acesso ao ensino superior restringe-se a números que não alcançam sequer dois dígitos percentuais. O Demétrio Magnoli fez menção à tentativa de criarmos uma sociedade de castas, será que esses números não refletem exatamente isso? Qual a possibilidade de mobilidade social para o negro que não freqüenta uma universidade?
Tenho uma séria desconfiança em relação àqueles que usam a baixa qualidade do ensino público como desculpa para pobres e negros não conseguirem entrar numa universidade. A queda na qualidade do ensino público tem relação direta com o aumento do número de vagas nas escolas, sem o conseqüente aumento do número de unidades de ensino e professores. Existe alguma escola particular que seja obrigada a receber todos aqueles que batem à sua porta? Pelo contrário, a lei da oferta e da procura cuida dessa questão: Aumenta-se a mensalidade de acordo com a “clientela” e a demanda.
Quando a escola pública era boa (como muitos adoram relembrar) quem as freqüentava? Havia alguma lei que obrigasse os pais de famílias pobres a manter seus filhos matriculados? Havia algum incentivo financeiro pra que eles lá permanecessem? Quando a escola pública era motivo de orgulho, pobres e negros não estudavam. Quando muito freqüentavam a escola até se alfabetizarem e logo abandonavam os estudos para trabalhar e ajudar no sustento da família. Não nego a existência de boas escolas particulares, mas será que são tão boas mesmo, ou apenas adestram seus alunos para que tenham boas notas no vestibular? Será que elas de fato preparam seus alunos para aquilo que a Academia vai deles exigir, ou são apenas melhores que as escolas públicas estaduais e municipais - vítimas da falta de investimento e do descaso? Porque as escolas federais estão sempre muito bem colocadas nos exames nacionais do Ministério da Educação. Coincidentemente, estas não têm a obrigação de abrigar todos aqueles que desejam se matricular…
Eu nunca militei no Movimento Negro, portanto, não tenho motivação particular para fazer a sua defesa, mas como bem disse o Demétrio Magnoli, deve mesmo ser um movimento de negros de classe média (principalmente os seus dirigentes) que perceberam que o Estado brasileiro (leia-se os Três Poderes) e seus órgãos não contemplam o cidadão e só se sensibilizam ou cedem à pressão de movimentos organizados mobilizados por interesses em comum. Não é mesmo assim? Primeiro você deve cooptar pessoas, formar uma associação, grupo, movimento, etc. e a partir de então você ganha visibilidade; ou seja, como cidadão, indivíduo, pessoa, nós jamais somos ouvidos no Brasil…
Por fim, um último comentário em relação a um questionamento do Magnoli: O desconhecimento que temos em relação às origens do negro brasileiro; se escrava, mercadora de escravos ou traficante, é fruto dentre outras coisas, da nobre atitude de Rui Barbosa, corroborada por grande parte de brasileiros que querem extirpar da história do Brasil a “mácula” da escravidão. Mas a julgar exatamente pela presença do Sr. Joaquim Barbosa no Supremo (sem fazer ilação ao que se segue) e o que ela representa em números percentuais; se há relação direta entre descendência e classe social a que pertencem os negros na atualidade, podemos nos assegurar que os mercadores e traficantes existiram, mas com certeza foram no máximo, a exceção que confirma a regra.